segunda-feira, 13 de abril de 2009

O vaso e a flor


Era uma vez um lindo vaso que repousava sobre a soleira de uma janela. Ele estava orgulhoso por abrigar uma linda flor colorida, mas uma dúvida existencial o atormentava: o que era mais importante, ele ou a flor que ele nutria?

Todos os dias o sol se levantava por sobre os telhados das casas próximas, e vagarosamente subia pela parede até banhá-lo e à flor, com seus raios tépidos e revigorastes, e todos os dias, neste exato momento, outra dúvida vinha somar-se à já existente: o que era mais importante: ele, a flor ou a luz do sol, que o ajudava a nutri-la?

Quando o calor do sol era demasiado, mãos dedicadas o retiravam da janela e o colocavam num recanto sombrio da casa, onde ele e a flor podiam deleitar-se com o frescor que os acalmava. Então, ele acrescentara outra dúvida às que já possuía: o que era mais importante: ele, a luz que o ajudava a nutrir a flor, a própria flor, ou a mão amiga, que os protegia a ambos?

No dia seguinte, quando estava à janela, pode ver a linda menina que todos os dias parava, atravessava a rua, acariciava-o ternamente, limpava-o do pó, aspirava longamente o perfume da flor e sorria para o sol um riso de criança feliz. E o vaso terminou o dia com uma dúvida a mais: o que era mais importante: ele, a flor, o sol que o ajudava a nutri-la, a mão amiga, que os protegia, ou a menina que parava para admirar a ambos?

Então, como acontecia todas as tardes, depois que o sol se escondia, ele bebia uma generosa quantidade de água fresca, que gentilmente lhe era depositada. Suas paredes ficavam encharcadas, o calor do sol da tarde dissipava-se todo em alegria e a flor renasciam na umidade por ele fornecida. Ou será que seria a terra que fornecia essa umidade? Oh! Dúvida atroz! O que seria mais importante? Ele ou a flor, a luz ou a mão, a criança ou a terra que abrigava a flor? Ou seria a água que a tudo restaurava?

Mas, um dia, em que todos foram viajar uma grande quantidade de água lhe foi confiada para que regasse a planta durante os dias de ausência. E o que ele faria com toda essa água? "Água demais também faz mal", pensou. Mas os dias foram passando, e por mais que ele entregasse à terra a água carinhosa, a flor começou a perder o brilho e a murchar. "Que sentido faço eu sem essa flor? Ela faz parte de minha vida! Sem ela nem vaso eu sou!" pensou ele. "Deus! sou capaz de virar cinzeiro"!
Está abafado aqui. Precisamos de ar! Ar! Sim! Isso é o mais importante! “Todos precisam de ar”. Enquanto ele pensava, podia ver pelo vidro da janela uma grande ventania levantando a poeira da rua. "Ah! quanto eu não daria por um pouco de ar fresco", suplicou.
O vento ouviu o silencioso chamado do vaso, e fustigou de tal forma a janela que ela acabou por se abrir violentamente. Os vidros quebraram-se e ele entrou atabalhoadamente, aflito por socorrer a moribunda flor. Mas tão desajeitado foi, que derrubou o vaso da soleira da janela, que caiu na rua, espatifando-se. "É o fim!" pensou. "Ar demais também faz mal!” Chateado pelo desastre, o vento foi embora cabisbaixo, e a tranqüilidade voltou à rua.
Então a linda menina aproximou-se e começou a juntar seus cacos. Carinhosamente levou a ele e à flor para sua casa. Lá, começou a colar o vaso, unindo seus cacos com uma cola especial. Em sua nova casa, as coisas haviam retomado ao ritmo normal. O vaso agora tinha certeza de não haver coisas mais importantes. Tudo está ligado, filosofou ele. Mas uma dúvida persistia, e ele perguntou à flor: "Para que existimos? Afinal, faço falta para alguém?” A flor apontou para suas rachaduras e disse: “Ninguém que não lhe dê importância junta seus cacos e o põe em pé de novo”! O vaso ficou a pensar no que ouviu
E outro crepúsculo veio. Mas este era diferente!

Mãos gentis o carregaram com cuidado extremo e o colocaram no centro da mesa, no lugar mais importante da casa. "Enfim, a importância que nos é devida," disse ele à flor. E a flor respondeu: "Quando você era mais bonito por fora, não lhe davam tanta atenção. Já estou com ciúmes”! O vaso sorriu da ironia e respondeu. "Pena que para sermos queridos quase tivemos que morrer”! Então, eles sentiram o olhar brilhante da menina sobre si e por muito tempo ela ficou assim, com o olhar perdido, olhando-os e acariciando-os delicadamente. Não foi difícil para eles, perceber que a menina estava apaixonada. Ela os acariciava enquanto escrevia algo em uma folha de papel. Quando terminou, o vaso esticou o olhar e leu: "Somos iguais... e se dúvidas havia, já não há mais... Somos o sol e a luz, a pétala e o rouxinol, a tela e o próprio pincel. Desse quadro surrealista; somos a arte e o artista, o fogo e a mão friorenta, o trovão e a tormenta, as lágrimas e o olhar tristonho, a ilusão e o sonho... Somos o horizonte distante e a gaivota perdida, o oceano sem fim e a onda colorida... Somos a árvore e o fruto, a raiz e o chão amigo a tempestade e o abrigo... Somos o quarto e a penumbra a fragrância e o frasco aberto, a segurança e o incerto... Somos assim, Em quase tudo iguais conscientes e reais, e dependentes do amor... Somos a vida um do outro, Somos o vaso e a flor”...

O vaso olhou para a flor, que também havia lido, e sem que percebessem, beijaram-se também eles, apaixonadamente. Compreenderam que eram amantes, era a vida um do outro. "Acabaram-se as tuas dúvidas? Consegues compreender agora?" perguntou a flor."Sim!" respondeu o vaso.
"O mais importante é o amor!"
- J.B.Xavier -

Tenha uma semana abençoada!

Um comentário:

Tetê Guimarães disse...

Oi, querida! Passando prá agradecer a visita e avisar que já atualizei! Bjks e boa semana!